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Dizem que avó, por via de regra, é mãe duas vezes. As pessoas dizem muita bobagem. Zenaide era mãe três vezes. Sozinha na criação de três filhos, fez de sua história um caso de sucesso em um enredo repetido com outras várias mulheres fortes.

Dizem também que avó é mãe com açúcar. Parece simplório. Zenaide era mãe com uma latinha de cerveja. No carnaval, foi mãe com um frasco de lança-perfume. Numa era pré-proibição, posou orgulhosa para o retratista com sua droga de escolha. Eventualmente Zenaide era também mãe com um cigarro na mão, tragado com leveza. A leveza que nunca lhe tirou o dom da intensidade. Carnavais, festas, batons vermelhões, bailes às escondidas. Reuniões na escola, batizados de boneca, fritadas infinitas de pastel de queijo, presunto, tomate e “oréga”.

Zenaide ia e vinha. Sozinha, acompanhada, como queria. Nunca houve homem ou mulher que nela mandasse. Esperou pacientemente pelo desafio durante 87 anos. Não conseguiram. Como um último ato de rebeldia, jogou um copo d’água na minha cara na última vez em que a vi acordada. Calculado, o gesto era todo seu. “Me dá água? ” “Claro. ” E de repente todo conteúdo voava pelo ar, livre. Zenaide sempre foi livre.  O copo, de fato nunca me atingiu. Ficou preso em seus dedos, em um gesto calculado, dramático.  Orgulho-me de um jeito só meu que minha avó tenha sido a primeira pessoa a jogar uma bebida na minha cara. Era água, inofensiva. Sempre fora.

Zenaide foi embora há muito. O corpo, sua última morada, foi o último a partir. Dos gestos finais entre nós, tomei a liberdade de iniciar o último: disse que te amava, beijei sua testa. E o monitor cardíaco ao lado apitou em resposta.

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